Menu fechado

A arte de tirar o MÁXIMO do mínimo sempre

Quando olhamos a nossa volta e prestamos atenção ao modo como cada indivíduo lida com seus problemas e suas dificuldades, percebemos que alguns se tornam mestres em aumentar os obstáculos, enquanto outros se dedicam à arte de tornar a vida mais simples. Você já se deparou diante de uma frustração ou algum problema capaz de lhe tirar o sono? Com alguma preocupação que toma conta dos seus pensamentos fazendo a situação parecer maior do que de fato é? Acredito que muitos de nós vivemos momentos desgastantes que nos roubam a tranquilidade e parecem nos colocar em um beco sem saída. Talvez por não saber lidar com o problema ou simplesmente por não querer passar por isso, o medo e a dificuldade de enfrentar a situação tornam-se o nosso maior inimigo.

A verdade é que quanto mais relutarmos e fugimos, maior será o nosso sofrimento e desgaste. Só conseguirá realmente viver, e não apenas sobreviver, alguém que mesmo num momento de adversidade consegue retirar da dificuldade um foco e um objetivo de vida.

Realmente é um desafio tirar o tal “máximo do mínimo”, mas, mais forte que isso, é o aprendizado que é possível obter. Tenho uma irmã que luta contra o câncer há mais de 15 anos e ao observar sua garra, seu modo de lidar com o tratamento e suas limitações, aprendi que quando aceitamos as dificuldades e a realidade a que somos submetidos, temos a capacidade de tirar o máximo do mínimo sempre.

Ela é um exemplo de que mesmo com recursos limitados, ou quase inexistentes, não é desculpa para deixar de explorar o máximo da vida. A Cidinha, como carinhosamente é chamada, foi diagnosticada com câncer de mama aos 28 anos de idade. Algo inesperado, já que não tinha vícios da bebida e cigarro, levava uma vida ativa com alimentação saudável e também não havia caso de câncer no histórico da família. Ela teve seu momento de choro, que não durou mais que uma hora. Logo levantou a cabeça e traçou um objetivo: melhorar para poder cuidar e viver junto da sua filha de apenas quatro anos.

Ciente do que queria, encarou a doença e não se deixou passar por vítima. Submeteu-se ao tratamento – cirurgia, radioterapia e quimioterapia – e foi em busca de todas as ferramentas que tinha para lutar, pois queria viver, viver bem! Jamais se isolou ou deixou de trabalhar por conta do tratamento, ela fez a opção de continuar vivendo, participando da comunidade e dos grupos a qual pertencia e sempre soube aproveitar a arte de ser mãe e esposa, tornando cada momento ainda mais único e especial.

De modo geral, muitas pessoas sem perceber negam para si mesmo que estão doentes e ao invés de buscar a força interior e a ajuda especializada para vencer essa barreira, transformam-se em um fardo para todos a sua volta.

É mais fácil reclamar dos remédios, efeitos colaterais e até dos médicos, do que se esforçar para fazer o que está ao alcance. Pior fica quando colocam os vícios com a desculpa de aliviar o que já está ruim e diante desta realidade tudo fica mais pesado, mais difícil.

Aceitar a doença é saber que o corpo necessita de ajuda, uma boa alimentação, exercícios e livrar-se dos vícios. É buscar entendimento sobre o que pode ser feito de melhor a cada dia, para ficar bem, e não apenas reclamar que a doença bateu na porta.

O tempo passou e a doença não deu trégua para minha irmã. Depois de várias reincidências, ao completar 10 anos de tratamento as metástases se instalaram nos ossos, atingindo primeiramente a coluna lombar, em seguida 90% dos ossos do corpo, o que lhe causa dores constantes. Em virtude da fragilidade dos ossos, os médicos diziam que ela poderia fica tetraplégica, logo ela se informou e descobriu que o uso de colete poderia ajudá-la a sustentar a coluna, para que continuasse suas atividades e assim ela fez, comprou dois coletes e passou a fazer uso deles até para dormir, pois se sentia mais segura.

Em 2010 a doença chegou ao pulmão, que atingiu a corda vocal esquerda e inibiu o som de sua voz. Segundo os médicos ela não poderia mais falar por conta da paralisia na corda vocal e sua fragilidade pulmonar. Cidinha simplesmente não se deixou abater pelo diagnóstico e passou a fazer fisioterapia pulmonar e inalação com muita determinação.

Enquanto isso desenvolveu meios para comunicar-se com a família, amigos e médicos, ora por mensagens de celular, e-mails ou recados escritos e no período de seis meses sua voz voltou completamente. A paralisia ainda permaneceu na corda vocal esquerda, mas a corda vocal direita se desenvolveu o suficiente para fazê-la falar novamente. Esse é a prova da chamada “resiliência”, quanto mais se resiste, mais forte se torna um material/pessoa.

Nesse período, ainda sem voz, ela foi convidada a palestrar e testemunhar o que estava vivendo. Escreveu um texto e solicitou que um orador a acompanha-se. Mais uma vez o desafio a motivou e a falta de voz não foi impedimento para enfrentar os problemas da vida. Em 2011 minha irmã precisou passar por outra cirurgia, desta vez na vesícula, e novamente enfrentou a fisioterapia para fortalecer o pulmão.

Lembro-me dos dias que ela mal tinha forças para levantar e precisava de ajuda tudo; mesmo cansada nunca se recusou a fazer os exercícios, pois sabia que o corpo precisava naquele momento era muito mais importante que o cansaço.

O câncer é uma doença crescente e todos os dias são apresentados novos casos e ao invés de nos prepararmos para entender e lidar com esta realidade, tememos cada vez mais tal enfermidade, uma doença que compromete os sonhos, a beleza, os cabelos, a alegria e disposição. Vejo que minha irmã tem sido mestre nesta arte e nunca se incomodou em ficar careca. Quando sua filha de quatro anos disse: “Mãe não quero que você fique careca”, ela respondeu: “Que pena eu já marquei para cortar os cabelos e queria que você fosse à loja comigo para me ajudar a comprar lindos lenços”. A resposta com tom positivo convenceu a menina que passou a escolher diariamente o lenço que a mãe iria usar.

Otimismo tornou-se algo natural de desenvolver nos desafios do dia a dia, como na questão do peso: normal, inchada ou quase desnutrida, mas sempre sem reclamar, apenas procurava vestir o que ficasse bem. Por conta das quimioterapias seu sistema imunológico ficou debilitado e contraiu mucosite – uma inflamação que dificulta a fala, a alimentação, causando dor e feridas na boca; além de diarreia. Se o paciente ficar sem comer sua situação pode se agrava muito, por isso Cidinha sempre prestava atenção em qual alimento conseguia ingerir sem desobedecer as ordens médicas, pois sabia que era o que podia ser feito no momento e de nada iria adiantar ficar desejando outros alimentos que poderiam piorar a situação da infecção.

Em 2012, ficou quase 300 dias internada por conta da fragilidade pulmonar e nunca a vimos reclamar por estar no hospital. Aproveitou o tempo para entrar em contato com o mundo via internet, o que facilitava a comunicação com parentes e amigos. Como uma mulher de muita fé, atuante na comunidade católica e na Pastoral Familiar, várias noivas a procurava para montar o roteiro da celebração matrimonial e muitos destes roteiros foram montados em um leito de hospital com trocas de e-mail até o cuidado de enviar o material para gráfica para encadernação. E desenvolveu também a facilidade em fazer amizades seja com as acompanhantes de quarto, a equipe de enfermagem, limpeza, copa e cozinha.

O fato de estar no hospital nunca a desligou do mundo, ou das coisas, que sentia prazer em fazer. Muitos de nós quando não temos o queremos, do jeito ou na hora desejada, perdemos a graça em tudo. A verdade é que na vida nem sempre as coisas acontecem da forma que esperamos.

Minha irmã com o seu jeito descomplicado de viver e com a sabedoria de aceitar aquilo que não pode ser mudado mostrou para muita gente que o câncer – obstáculo – não é o fim, mas como ela mesma diz: “Lutar contra o câncer não é apenas fazer tratamento oncológico, é antes de tudo lutar por uma qualidade de vida a meu favor”. O câncer na vida dela tornou-se uma oportunidade de aprender, de ser e de fazer melhor coisas que antes poderiam passar despercebidas.

Infelizmente, gastamos energia demais com aquilo que não está ao nosso controle, quando deveríamos investir no que pode ser feito para amenizar o problema, solucionar a dificuldade. Passamos a temer demais aquilo que nem conhecemos: o futuro ou a possibilidade de ficar dependente numa cama, mas esquecemos de aceitar o presente e descobrir o que podemos fazer no momento para evitar tais complicações. É como se não quiséssemos ver que existe saída, que existe solução. Como se o fato de “não existir saída” fosse mais fácil do que descobrir e aceitar que a saída exige compromisso com o que é essencial e nem todos estão preparados para vivenciar tamanha responsabilidade consigo próprio. Vejo pacientes oncológicos que após tomar a quimioterapia se entregam as reclamações, agindo como vítimas para amenizar o sofrimento e manipulam toda a sua volta, como se fossem culpados da sua situação. Quando na verdade poderiam aproveitar o momento para refletir, repousar, alimentar o corpo e a espiritualidade. É preciso quebrar a barreira do mito: “quando se encontra enfermo ou em uma situação difícil não existe mais lugar no mundo”. Todos têm um lugar neste mundo e é preciso tomar posse dele.

Não há dúvidas que um dia a morte chegará para cada um de nós. No entanto, muitos ainda vivem como se tivessem o poder da eternidade ou não admitindo falar desta possibilidade como se gorasse a vida. Na verdade, se fossemos mais práticos ao tratar de assuntos como esses teríamos a vida mais organizada e equilibrada, pois a morte é algo que não poderemos mudar, mas podemos mudar o nosso jeito de viver a vida.

No final de 2013 ela queria rever pessoas enfermas e amigos que há tempos não via, então confeccionou corações como enfeite de porta e com ajuda de familiares cada um que visitou recebia um coração, como sinal de sua amizade. Foram entregues mais de 300 corações e só parou quando foi realizada a cirurgia. Perguntaram a ela porque estava visitando pessoas, quando ela era a pessoa que deveria receber visita e a resposta serena foi: “Eu visito porque me sinto livre para visitar, não sou escrava de minhas limitações. A maioria das pessoas não sabe que são livres e vivem prisioneiras de seus problemas e dificuldades.”

Hoje, o corpo da minha irmã está bem frágil por conta dos ossos e da magreza pela quimioterapia, por isso ela sempre toma o máximo de cuidado: alongando, fazendo fisioterapias, usando a medicação, alimentação e suplementos necessários para seguir em frente. Em janeiro de 2014 ela foi submetida a uma cirurgia para retirar um tumor na região do tórax. A cirurgia foi um sucesso, mas o resultado não dos melhores e a sua reação, como já esperávamos, foi de aprender a realizar os procedimentos necessários para enfrentar uma nova cirurgia.

Atualmente, nossa Cidinha vive um quadro de maior limitação física, está afastada do trabalho, não consegue frequentar a comunidade e outro nódulo inibe o som da sua voz. Andar é uma dificuldade, a calota craniana e sua face estão todas afetadas por metástases. Ainda assim ela faz questão de manter contato com todos. Por meio da internet ela se mantém ligada no mundo, evangelizando, ajudando a próximo, dando dicas e informações úteis para a população, trocando receitas culinárias, experiências de vida e ajudando outras pessoas que também enfrentam o câncer. Assim, ela consegue se manter produtiva, com muita alegria. De forma tranquila ela vai passando adiante a receita de fazer o máximo com o mínimo.

Com a grande oportunidade de conviver com a pessoa maravilhosa que é minha irmã Cidinha aprendi – e aqui compartilho com você – o segredo que toda pessoa precisa encontrar diante de uma grande dificuldade: é necessário buscar o seu eu interior, que é ali que se encontram todas as armas necessárias para enfrentar os problemas. Somente aqueles que fizerem o bom uso do melhor que está dentro de si é que vai superar os obstáculos da vida com maior facilidade e será capaz de tirar o máximo do mínimo.